HáDevir

There's a Light that never Goes out'

agosto 28, 2006

 

ÉSCOLA

A escola serve para a aprendizagem de códigos específicos mas acima de tudo ela deve consumar a perda da inocência inicialmente apresentada. O aluno é o elemento a transformar ou pelo menos a sofrer a influência desta máquina insinuadora de acções autómatas e mentes autónomas.

a ÉSCOLA AMARELA

Vim bater à porta deste edifício amarelo já fora da idade da inocência, longe de saber ser a inocência que me fazia mover. A inocência de um sonho. Ou até mais do que um que tive, mas pelo menos esse foi revelador. Por isso insisti e bati mais do que uma vez. Três e quatro vezes para ser mais preciso. Por falta de papéis ou de vontade para mais precisamente responder às questões colocadas não fui muito bem recebido por três senhores e pelas atenciosas donas que me sorriram na despedida. Mas voltei sempre e cá entrei finalmente. Vinha de uma escola chamada técnica, tinha passado por outra artística e enfrentado uma outra chamada emprego, que não me saciaram a sede de mais conhecimento, mas que me deram me deram a conhecer o sabor deste mundo de janelas visuais e traços sonoros.

E entrei mesmo. Aturei merdas e coisas boas durante um ano e cheguei ao segundo onde ouvi merdas iguais e coisas melhores. Até que um dia passei ao terceiro a dar na mesma causa, e ao fim de um tempo me fartei. E à minha volta também vi que estava tudo farto e sem vontade de mais. E que mais à volta outros também tinham passado pelo mesmo. E que lá fora já alguém tinha ouvido falar disso. E que lá muito ao longe nós não importamos. Porque não fazemos com que eles se importem com a nossa falta de importância. Mas que importa, não é assim todo o mundo? Que importa?! Há que nunca esquecer que a função da arte é transformar o mundo a cada segundo!

Só posso falar em pormenor dos problemas que conheço bem nesta escola muito bicéfala, dividida em três departamentos insuficientemente comunicantes. Gostava de ter aulas partilhadas com alunos de outros departamentos em masterclasses específicas que podiam ser uma forma de comunicação por entre estes corredores vazios de gente e às vezes também de alma.

Desta escola falarei mais pormenor de alguns problemas do departamento que me compete: o de cinema. O mais estranho talvez seja mesmo que se tenha feito uma reformulação de currículo de cinema que não previsse os acordos de Bolonha com toda a implicação de mobilidade que isso implica ou a compressão da licenciatura num ano, ou que se deixe para Dezembro uma decisão que determina o presente de muitos alunos como um acesso posterior à licenciatura, sem equivalências implicando repetição de cadeiras. Este atraso perante outras escolas do Politécnico e até mesmo face ao departamento de teatro é sintomático que algo vai mal no reino do cinema. Com uma direcção que se mostra eterna no poder num estado que não sendo ditatorial já o começa a ter já raízes criadas por entre ramos das mesmas famílias. Mas isso pouco me preocupa, embora me importe com isso. Eu não sou dos que fazem por pedir cabeças no prato, que eu me acho de fino trato, mas acho que há quem tenha que levar a mão à consciência. Olhando à volta eu vejo professores e funcionários que não se importam com a condição de ter cunhado, que importa é ter um tusto na mão, ou de vir de projecto falhado que importa é o livro que dão. Não os sensuro nem espero que me façam o mesmo. Porque todos merecemos oportunidade de vingar e de nos expressar na vida.

O que me preocupa é a qualidade de ensino e a insuficiente preparação face à integração no mercado de trabalho. A escola podia e talvez devesse ser um polo de união e motor de desenvolvimento das associações do sector, funcionando como ponto de encontro e motor de progresso. Se não pertence às suas competências devia estar nas suas incumbências. A saída para o mercado é um ponto de indefinição com toda a insegurança e exposição que deixa os novos mancebos, carne fresca para exploração.

A competição com outras escolas também nos tem deixado mal na fotografia neste aspecto, já que a taxa de entrada no mercado nos deixa atrás de centros privados mais dinâmicos e competitivos, servidos de políticas em que o acomodar tantas vezes associado à função pública não pode ter lugar.

Não compreendo também ter de voltar a estudar depois de estagiar. A obrigação de cumprir o estágio no fim do terceiro ano continua a ser um enigma para mim que só complica a entrada no mercado de trabalho, mesmo que permita ainda o grau de bacharel. Porquê apresentá-lo ainda no final do terceiro ano? Mude-se já, a nós que ainda apanhamos com a desfeita! Para quem queira seguir com a licenciatura é como voltar à água fria depois de um banho quente. Mas pelo menos quem sai para estagiar, volta mais desperto. Estranho também as mudanças que se fizeram, como com o acesso a cinema para quem tem mais de 23 anos seja uma prova de inglês, como se não fosse grande parte da bibliografia com livros em francês e espanhol, ou se nos estivessem a preparar para trabalhar em tradução!

Olhando para dentro eu vejo isto e vejo que muito me falta fazer. Ainda nem comecei verdadeiramente e nem creio que o venha realmente aqui a fazer. Que são também outras as minhas guerras e eu também sei fazer o truque do relógio insinuando falta de tempo. Mas exércitos fazem-se de gente e de ideias que os guiem e ouve uma ideia clara que toda a gente no mundo deve partilhar: a melhoria constante. E assim serei mais um no batalhão como já no passado. Que temos de sujar as mãos para construir alicerces fundos.

Hoje acordei a meio da noite em consciência de balanço e percebi que estava preocupado que pouco tinha melhorado. Ou sequer mudado. Acredito mais na evolução continua do que na revolução militante, se bem que me ache um revolucionário de acção constante. De falinhas mansas mas convicções duras, eu prefiro-me em acções puras, ditas em voz clara que pedras soltas, frases loucas e baixos os calções. Mas a mudança implica as duas e eu subscrevo a melhoria e a fantasia.

Olhando à volta eu também vejo professores motivados e de braços levantados. Que haja quem lhes faça justiça. Mesmo dentre esses há que continuar a melhorar seja como gente, que há quem não se importe com quem tem à frente, ou participando na (r)evolução, que há quem não se importe com o que tem à volta. O que sensuro é a frieza que alguns nos reservam e continuam a expressar do alto do seu cadeirão. A funcionalidade não implica a exclusão, mesmo que esta a facilite. É em tantos casos uma escola pequena de proximidades distantes.

Proximidade distante até face à comunidade onde se inseriu. Nula a integração na Amadora, mínima a interacção com a comunidade, total o desconhecimento da população do que aqui se passa e até de onde nos situamos. Para quando uma mostra a sério, no princípio do ano, porque não no centro da cidade? Porque não na Cinemateca ou no futuro São Jorge, ou FórumLisboa, ou King, ou Monumental, ou até no Cinebolso? Nós queremos ser vistos! Nós que o façamos? Também o temos feito e eu mesmo talvez o tente voltar a fazer!

Olhando em frente eu vejo alunos que faltam às obrigações que têm consigo, mas acima de tudo com os outros que isto da arte não deve viver só com o que nos fica no goto. Olhando em frente eu vejo também alunos motivados, gajos esforçados, mas isso por si só que importa?

Há que não deixar que o mato cresça e apague os passos marcados e perpetuar a melhoria e implicar a todos no mesmo esforço. Quem passa o mato pisa os espinhos, mas quem o sulca abre caminhos. Quem os abre é passado muitas vezes na vida, mas será sua essa estrada que agora o lembra. Aos que agora chegam eu saúdo-os à porta de entrada que à saída eu gostava de ser saudado. Dou-lhes os meus apontamentos, boleias de mota e até empresto uma nota. O que peço em troca? Nada, mas aceito tudo.

Sinto que me transformei por dentro mas também perdi muitos cabelos pelo caminho, por motivos meus e do que por aqui passei. A perda da inocência é um caminho sinuoso e, agora que vou mergulhando cada vez mais no mundo do trabalho remunerado, vejo os malefícios e vantagens de uma escola que não me preparou para todos os precalços a enfrentar, mas que me deu ferramentas básicas que tenho a aplicar. Ela sugou muita da energia e tempo a todos nós, mas sinto que este tempo me automatizou em muitos processos e em muitos aspectos, mas acima me tornou mais capaz de enfrentar a vida e participar num percurso criativo. É positivo até ao momento o percurso que fiz mas podia ser bem melhor. Tal como este exConservatório.

Já não é Conservatório nem parece que seja por muito tempo ESTC. Mas por agora é a nossa escolinha amarela, o nosso submarino amarelo que todos gostaríamos de pintar com as nossas cores e imagens associadas ao nosso meio artístico (mas é sempre tudo muito complicado neste país ainda cinzento). Que evolua para que todos guardemos melhores recordações da escola amarela. 'ESTC, gosto tanto de você!'


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HENRIQUEdeBRAZÃOBARROSO

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